agosto 27, 2019

Trilha com os Xucucus Kariris em Palmeira dos Índios, Alagoas

"Para os lados dos Xucuru, meia dúzia de luzes indecisas, espalhadas. Aquilo há pouco tempo era dos índios... 
Negra também a Cafurna, onde se arrastam, miseráveis , os remanescentes da tribo que lá existiu..."

Caetés (1933), primeiro romance de Graciliano Ramos



Uma vez, li a frase com foto de uma árvore, espécie de grande porte: “Ou soma, ou some!”. Aquilo me impressionou! Até então, não ousava imaginar que um dia, ela se perpetuaria e nós (a humanidade) não; se assim deixássemos acontecer!

Aí, veio a vontade absurda de fazer parte dessa “tribo”. Mesmo não sendo uma estudiosa do assunto, me considero uma ambientalista de carteirinha e alma. Preservacionista mesmo.

A recepção dos Xucurus Cariris na Aldeia da Mata da Cafurna foi momento singular.
Tanta informação e cores que nos deixou atordoados de conhecimento.
Aqui o Pajé Lenoí Dibiricá.



Heleita, a esposa do Cacique Eleno.




São fortes, saudáveis, de fisionomia essencialmente brasileira. Emocionam. 
Aqui dois irmãos e seus filhos.
















Eliel, a filha do Cacique Eleno.

Lucas, condutor nativo e
artesão talentoso


Já na década de 80 comprei um livro instigante, “Requiem para os índios” (autoria de Felicitas Barreto, Global Editora, 1979). Rico em fotos, mostrava a experiência casual da autora, uma bailarina clássica, que optou viver dentre os índios, depois que seu avião fez um pouso forçado nas terras indígenas. Várias fotos impressionantes do dia a dia deles. E, de tantos livros doados, desse nunca me desfiz. Depois veio “Caetés” de Graciliano Ramos (Ed Record, 2006). E assim seguiu “meu espírito indigenista”. 


Cacique Eleno (de branco), o responsável por nosso encontro. Um querido!
Plantar o ipê roxo foi uma festa! Todos queriam por a mão na terra!
Voltar para ver como está crescendo será uma emoção


Juntar todos para uma foto coletiva, foi caótico. Mas aconteceu!


























Vou logo avisando, minha visão é limitadíssima no que diz respeito à antropologia e sociologia mas sei o suficiente do turismo de experiência.
 Li, guardo e em todos meus programas procuro vivenciar, os:












PRINCÍPIOS da CARTA DA TERRA

            Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações... 
  1. respeitar e cuidar da comunidade da vida;
  2. integridade ecológica ;
  3. justiça social e econômica;
  4. democracia, não violência e paz;
      ...Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.
Sustentabilidade sociocultural é proporcionar melhorias de qualidade de vida respondendo às necessidades das pessoas de hoje sem comprometer a capacidade e necessidades das futuras gerações, reduzindo os níveis de exclusão social, por meio de uma distribuição de renda e bens mais justa. O Turismo Sustentável, quando bem praticado, reflete qualidade de vida das dimensões individuais e coletivas...”








E,

“PRINCÍPIOS DO ECOTURISMO, DEFINIDOS PELO TIES:
1. Minimizar impactos;
2. Construir consciência ambiental e cultural e respeito;
3. Proporcionar experiências positivas tanto para visitantes como anfitriões;
4.. Proporcionar benefícios financeiros diretos para a conservação da natureza;
5. Proporcionar benefícios financeiros e novas oportunidades para as populações locais;
 6.Contribuir para o desenvolvimento da consciência política, ambiental e social nos países anfitriões;                                 7 .Apoiar acordos e direitos humanos internacionais..."



Quem mais, senão os próprios índios para preservar e defender a natureza?!

Procurei há alguns anos, setores indigenistas locais e recebi um sonoro não! Índios e ecoturismo não combinava e não se misturavam. Deixei pra lá, afinal nem eu “vivia de mato, nem queria viver só disso”. Mas sabia que alguns sairiam perdendo algo. Afinal algumas tribos se sentem honradas em receber visitantes e apresentar sua cultura. Não existem perdas aí.

Até que, recentemente, outra frase voltou a mexer comigo: “Índios e natureza são um só!”. Verdade, pensei! Um não vive sem o outro e os elementos se completam inseridos num só macrossistema – penso eu.

Já a preservação, é outra coisa. Há que haver. Por bem ou por mal, plena ou parcialmente constituída, essa há de ser imperiosamente respeitada por todos os setores da vida. Não só para índios. Mas quando se tem índio no meio, mais preservação se exige! Tão lógico, né?! Não é fácil assim! Aqui, constata-se um tênue limite do possível com o provável. Sempre regido por leis específicas (ou que deveriam funcionar).









Dançaram o Toré em gratidão ao Cacique e nos deixaram observar

Raciocine aí comigo. Índio aculturado de aldeias próximas aos centros urbanos é um, e índio isolado da Amazônia brasileira é outro, certo? A Mata Atlântica é diferente da Floresta Amazônica, certo? A Mata Atlântica do sudeste é diferente da Mata Atlântica nordestina. E, mesmo a Mata Atlântica de Alagoas, tem diferença da Mata Atlântica do estado vizinho de Pernambuco. Certo! Cada qual tem sua relevância para o Brasil.

Mostro onde quero chegar: a preservação que se tenta constituir no Amazonas, por exemplo, não é, nem pode ser a mesma preservação constituída em Alagoas, à princípio. Mas ambas devem e merecem ter esse direito como primícias básicas para a vida e a cultura brasileira. Afinal temos índios! E também queremos nos perpetuar! Pois, não somos todos responsáveis?!

Decidi finalmente conhecer essa história “in loco”. Quem sabe sairíamos formadores de opinião. E nós fomos viver esse momento. 

Depois nos puxaram para dançarmos juntos , o Toré de Acolhimento. 
Tinha muita alegria naquilo






Eu vivi para dançar o Toré de Acolhimento com os índios alagoanos Xucurus Kariris


O Toré do Passarinho é lindo!









O município de Palmeira dos Índios em Alagoas (https://palmeiradosindios.al.gov.br/noticias/) nos acolheu e honrou com um dos melhores dias de nossas atividades e andanças! Primeiro tivemos autorização do cacique Eleno, depois dos órgãos constituídos através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Obrigada pela oportunidade, Secretária Cléa Carvalho.

Cumprimos com uma taxa de visitação, de condutor nativo, e uma ajuda ao pajé. Entregamos diretamente na aldeia e ainda deixamos doações em roupas por eles solicitadas. Como sempre fazemos, plantamos mais uma árvore, um ipê roxo para que nosso grupo ali deixasse raízes. Vamos acompanhar seu crescimento.

Estivemos ciceroneados pelo artesão e condutor nativo, Lucas Yguapatã (cel 82 99801.8958). Lucas é gentil, tem formação superior, grande talento para peças de cerâmica, pintura e expõe em grandes feiras nacionais do artesão. Tem uma história linda. Seu avô, branco de olhos azuis, deve permissão e casou com uma xucuru kariri da Mata da Cafurna. Ali viveram e essa, sua avó, é mãe do atual cacique Eleno - tio de Lucas.

Não se visita uma sociedade tradicional dessa para ensinar mas para aprender e enriquecer conhecimento. Assim foi nossa proposta e experiência.












São muito talentosos no artesanato


O município nasceu, em meados do século XVII, do aldeamento das etnias Xucurus e Kariris. Hoje são nove aldeias em território indígena. Escolhemos a da Mata da Cafurna, na Serra da Boa Vista, mais próxima à Palmeira dos Índios.

E descobrimos que índio tem anseios tal qual nós. O Índio alagoano estuda e quer saber do português e da matemática tanto quanto do computador e do celular (mas alguns mais velhos têm resistência). Índio quer sinal de internet e necessita de agasalhos. Índio quer vender seu artesanato, ser valorizado como é. E na sua simplicidade, quer até transparecer ser mais índio do que já é (minha impressão)!

Alguns vivem mais rusticamente, outros “sofisticadamente” ... Na aldeia, se ver oca de palha, casa de pau à pique e alvenaria. E motos e carro. Talvez sejam carentes de assistência odontológica (outra impressão). Vivem dos programas indigenistas e cultivam o roçado. Tem especial talento para o artesanato que já se encontra mundo afora.








Uma coisa eles tem mais que nós: um espírito livre. Não desapegado mas disponível; livre. Quero observar que não vimos bodegas vendendo cachaça nem índios bêbados. E que no caos natural, tudo parecia muito organizado.

Nas terras indígenas da Mata da Cafurna, três lideranças me chamaram atenção em especial: o próprio cacique Eleno. Observador, calado, meio desconfiado e discreto. Parecia determinar, pacientemente, sem dizer palavra. Muito acolhedor com os que estavam chegando. Eu diria, decisivo nos propósitos da comunidade! Talvez por isso seja o cacique. 

















O pajé Lenoí Dibiricá, falante, alegre, benzedor, cantador do Toré e contador de histórias. Recebe cesta básica “mas como é pouco ainda caça”. Se necessário, come cobra, preá e até cassaco com feijão! Foi logo mostrando a oca de palha onde mora com a rede estendida. Já tinha “trabalhado” para novela e conhecia alguns artistas nacionais. Imaginei quem teria ficado “rico” com sua pujança e presença porque vive muito modestamente!  Mas citou já ter ido na França e ter recebido cidadania francesa. Não entendi bem o porquê da França ter concedido essa cidadania.

Dança o Toré de Gratidão, Acolhimento, Casamento, Passarinho, e primeiro apresentou o Toré em agradecimento ao cacique. Se deixou ser observado pelo grupo. Depois de Acolhimento por todos... “- Êárrêia!” ... E caímos no Toré, batendo o pé junto com uns trinta Xucurus Kariris! Inesquecível!

Um grande momento! Que personagem! Nos guiou na breve trilha que fizemos na mata. Aliás, mata bem preservada me pareceu! Um verde lindo, fechada tanto quanto decidi não adentrarmos. Não tínhamos equipamentos adequados... 






















E finalmente, a diretora da Escola Estadual Indígena Mata da Cafurna. A Tânia Xucuru Kariri nascida na aldeia, mãe de três filhos e avó de seis netos. Com formação em Pedagogia e pós em Gestão. Muito articulada e cônscia de suas responsabilidades e liderança na comunidade.

Depois de nos apresentar, quisemos saber como se educa, obedecendo o currículo do MEC, uma criança que dança o Toré, senta com a mãe para tecer artesanato indígena e acompanhar o plantio do roçado.











 “- É trabalhoso mas não sofrido. Aceitamos o que nos é entregue pelo Ser Superior. Tem dias de alegria e dias para calar e aprender. Não sofrer. Seguimos um calendário mas adequamos aos festejos da comunidade que são específicos da comunidade Xucuru Kariri e não está na grade curricular nos exigida. Temos um professor indígena que transmite aos alunos nossos costumes e cultura. Nada ficará no esquecimento... O MEC em 2002 construiu a escola e nós ampliamos em 2013. Já alfabetizamos mais de quarenta adultos e temos alunos em faculdade. Hoje são, ao todo, trezentos alunos, do maternal ao ensino médio... A comunidade tem total confiança na escola. Eu e equipe temos o maior prazer em atendê-los porque sabemos que são nosso ancestrais quem nos entrega.  Eu sou grata a Fonte da qual fazemos parte, por encontrar pessoas que cultivam uma energia magnífica. Gratidão amados, somos um!” ...

Tínhamos acabado de conhecer Tânia Xucuru Kariri, uma alagoana guerreira, de cabeça aberta, receptiva inclusive para a nova gestão da FUNAI. Ela não deixa escapar nada em prol da sua comunidade.









A escola é propositalmente cuidada e local de zelo e acolhimento das famílias.
Tipo assim: cuida que é seu!
Tânia Xucuru Kariri, iniciou a escola ensinando
por conta própria em sua casa.






















Durante a trilha, Lenoí nos mostrou a seiva de uma espécie que usam para defumação contra bronquites. Tinha agradável aroma de erva fresca. 


Eu e meu trabalho, oportunizar e vivenciar esse Brasil









A cidade de Palmeira dos Índios ainda nos presentearia com o Museu Xucuru Kariri (que fica na igreja do Rosário, construída por escravos no séx, XVII). A Casa Museu de Graciliano Ramos estava interditada pelo IPHAN. Também não tivemos oportunidade de conhecer a Catedral de Nossa Senhora do Amparo. A professora Cristina que nos recepcionou e transmitiu seu conhecimento sobre o município na Antiga Estação do trem. Assistimos ainda, uma colorida (azul e encarnado) “Cavalhada” no dia do Folclore e de 130 anos de Emancipação Política. 












































Ao final da tarde, tivemos o privilégio da apresentação da Orquestra Graciliano Ramos, regida pelo maestro Wellington Canuto (cel 82 9984.0513). Maravilhosa apresentação! Super indico! Dançamos ao pôr do sol.

Oh, bendita “Princesinha do Agreste”, ainda falta tanto para te conhecer!








Adicionar legenda














Juntamos as "tribos" e Maestro Wellington mandou "brasa" com a orquestra




CRÉDITO: Banco de Imagens dos Caminhos Das Alagoas por Gianna Perrelli. Colaboração:  Anita Gameleira, Fátima Mendonça, Ana Cristina Mattos, Adriana Sarmento, Wilmene Wanderley






Depois Tânia nos enviou fotos da distribuição das doações. Disse que foi uma festa.

Merecem muito mais. Obrigada a todos!