"Para os lados dos Xucuru, meia dúzia de luzes indecisas, espalhadas. Aquilo há pouco tempo era dos índios...
Negra também a Cafurna, onde se arrastam, miseráveis , os remanescentes da tribo que lá existiu..."
Caetés (1933), primeiro romance de Graciliano Ramos
Negra também a Cafurna, onde se arrastam, miseráveis , os remanescentes da tribo que lá existiu..."
Caetés (1933), primeiro romance de Graciliano Ramos
Uma vez, li a frase com
foto de uma árvore, espécie de grande porte: “Ou soma, ou some!”.
Aquilo me impressionou! Até então, não ousava imaginar que um dia, ela se
perpetuaria e nós (a humanidade) não; se assim deixássemos acontecer!
Aí, veio a vontade
absurda de fazer parte dessa “tribo”. Mesmo não sendo uma estudiosa do assunto,
me considero uma ambientalista de carteirinha e alma. Preservacionista mesmo.
A recepção dos Xucurus Cariris na Aldeia da Mata da Cafurna foi momento singular.
Tanta informação e cores que nos deixou atordoados de conhecimento. Aqui o Pajé Lenoí Dibiricá. |
Heleita, a esposa do Cacique Eleno. |
São fortes, saudáveis, de fisionomia essencialmente brasileira. Emocionam.
Aqui dois irmãos e seus filhos.
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Eliel, a filha do Cacique Eleno. |
Lucas, condutor nativo e artesão talentoso |
Já na década de 80
comprei um livro instigante, “Requiem
para os índios” (autoria de Felicitas Barreto, Global Editora, 1979). Rico
em fotos, mostrava a experiência casual da autora, uma bailarina clássica, que
optou viver dentre os índios, depois que seu avião fez um pouso forçado nas
terras indígenas. Várias fotos impressionantes do dia a dia deles. E, de tantos
livros doados, desse nunca me desfiz. Depois veio “Caetés” de Graciliano Ramos
(Ed Record, 2006). E assim seguiu “meu espírito indigenista”.
Cacique Eleno (de branco), o responsável por nosso encontro. Um querido! |
Plantar o ipê roxo foi uma festa! Todos queriam por a mão na terra! Voltar para ver como está crescendo será uma emoção |
Juntar todos para uma foto coletiva, foi caótico. Mas aconteceu! |
Vou logo avisando, minha visão é limitadíssima no que diz respeito à antropologia e sociologia mas sei o suficiente do turismo de experiência.
Li, guardo e em todos meus programas procuro vivenciar, os:
“PRINCÍPIOS
da CARTA DA TERRA
Devemos
somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito
pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa
cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da
Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande
comunidade da vida, e com as futuras gerações...
- respeitar e cuidar da comunidade da vida;
- integridade ecológica ;
- justiça social e econômica;
- democracia, não violência e paz;
...Que o
nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida,
pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta
pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.
Sustentabilidade sociocultural é proporcionar melhorias de qualidade
de vida respondendo às necessidades das pessoas de hoje sem comprometer a
capacidade e necessidades das futuras gerações, reduzindo os níveis de exclusão
social, por meio de uma distribuição de renda e bens mais justa. O Turismo
Sustentável, quando bem praticado, reflete qualidade de vida das dimensões
individuais e coletivas...”
E,
“PRINCÍPIOS DO ECOTURISMO, DEFINIDOS PELO TIES:
1. Minimizar impactos;
2. Construir consciência ambiental e cultural e respeito;
3. Proporcionar experiências positivas tanto para visitantes como anfitriões;
2. Construir consciência ambiental e cultural e respeito;
3. Proporcionar experiências positivas tanto para visitantes como anfitriões;
4.. Proporcionar benefícios financeiros diretos para a conservação da natureza;
5. Proporcionar benefícios financeiros e novas oportunidades para as populações locais;
5. Proporcionar benefícios financeiros e novas oportunidades para as populações locais;
6.Contribuir para o desenvolvimento da consciência política, ambiental e social nos países anfitriões; 7 .Apoiar acordos e direitos humanos internacionais..."
Quem mais, senão os próprios índios para preservar e defender a natureza?!
Procurei há alguns anos, setores indigenistas locais e recebi um sonoro não! Índios e ecoturismo não combinava e não se misturavam. Deixei pra lá, afinal nem eu “vivia de mato, nem queria viver só disso”. Mas sabia que alguns sairiam perdendo algo. Afinal algumas tribos se sentem honradas em receber visitantes e apresentar sua cultura. Não existem perdas aí.
Até que, recentemente, outra frase voltou a mexer comigo: “Índios e natureza são um só!”. Verdade, pensei! Um não vive sem o outro e os elementos se completam inseridos num só macrossistema – penso eu.
Já a preservação, é outra coisa. Há que haver. Por bem ou por mal, plena ou parcialmente constituída, essa há de ser imperiosamente respeitada por todos os setores da vida. Não só para índios. Mas quando se tem índio no meio, mais preservação se exige! Tão lógico, né?! Não é fácil assim! Aqui, constata-se um tênue limite do possível com o provável. Sempre regido por leis específicas (ou que deveriam funcionar).
Dançaram o Toré em gratidão ao Cacique e nos deixaram observar |
Raciocine aí comigo. Índio
aculturado de aldeias próximas aos centros urbanos é um, e índio isolado da
Amazônia brasileira é outro, certo? A Mata Atlântica é diferente da Floresta
Amazônica, certo? A Mata Atlântica do sudeste é diferente da Mata Atlântica nordestina.
E, mesmo a Mata Atlântica de Alagoas, tem diferença da Mata Atlântica do estado
vizinho de Pernambuco. Certo! Cada qual tem sua relevância para o Brasil.
Mostro onde quero
chegar: a preservação que se tenta constituir no Amazonas, por exemplo, não é,
nem pode ser a mesma preservação constituída em Alagoas, à princípio. Mas ambas
devem e merecem ter esse direito como primícias básicas para a vida e a cultura
brasileira. Afinal temos índios! E também queremos nos perpetuar! Pois, não
somos todos responsáveis?!
Decidi finalmente
conhecer essa história “in loco”. Quem sabe sairíamos formadores de opinião. E
nós fomos viver esse momento.
Depois nos puxaram para dançarmos juntos , o Toré de Acolhimento. Tinha muita alegria naquilo. |
Eu vivi para dançar o Toré de Acolhimento com os índios alagoanos Xucurus Kariris |
O Toré do Passarinho é lindo! |
O município de Palmeira dos Índios em Alagoas (https://palmeiradosindios.al.gov.br/noticias/) nos acolheu e honrou com um dos melhores dias de nossas atividades e andanças! Primeiro tivemos autorização do cacique Eleno, depois dos órgãos constituídos através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo. Obrigada pela oportunidade, Secretária Cléa Carvalho.
Cumprimos com uma
taxa de visitação, de condutor nativo, e uma ajuda ao pajé. Entregamos
diretamente na aldeia e ainda deixamos doações em roupas por eles solicitadas. Como
sempre fazemos, plantamos mais uma árvore, um ipê roxo para que nosso
grupo ali deixasse raízes. Vamos acompanhar seu crescimento.
Estivemos ciceroneados
pelo artesão e condutor nativo, Lucas Yguapatã (cel 82 99801.8958).
Lucas é gentil, tem formação superior, grande talento para peças de cerâmica,
pintura e expõe em grandes feiras nacionais do artesão. Tem uma história linda.
Seu avô, branco de olhos azuis, deve permissão e casou com uma xucuru kariri da
Mata
da Cafurna. Ali viveram e essa, sua avó, é mãe do atual cacique
Eleno - tio de Lucas.
Não se visita uma
sociedade tradicional dessa para ensinar mas para aprender e enriquecer
conhecimento. Assim foi nossa proposta e experiência.
São muito talentosos no artesanato |
O município nasceu,
em meados do século XVII, do aldeamento das etnias Xucurus e Kariris.
Hoje são nove aldeias em território indígena. Escolhemos a da Mata
da Cafurna, na Serra da Boa Vista, mais próxima à Palmeira
dos Índios.
E descobrimos que
índio tem anseios tal qual nós. O Índio alagoano estuda e quer saber do
português e da matemática tanto quanto do computador e do celular (mas alguns
mais velhos têm resistência). Índio quer sinal de internet e necessita de
agasalhos. Índio quer vender seu artesanato, ser valorizado como é. E na sua
simplicidade, quer até transparecer ser mais índio do que já é (minha
impressão)!
Alguns vivem mais rusticamente, outros “sofisticadamente” ... Na
aldeia, se ver oca de palha, casa de pau à pique e alvenaria. E motos e carro. Talvez
sejam carentes de assistência odontológica (outra impressão). Vivem dos
programas indigenistas e cultivam o roçado. Tem especial talento para o
artesanato que já se encontra mundo afora.
Uma coisa eles tem mais que nós: um espírito livre. Não desapegado mas disponível; livre. Quero observar que não vimos bodegas vendendo cachaça nem índios bêbados. E que no caos natural, tudo parecia muito organizado.
Nas terras
indígenas da Mata da Cafurna, três lideranças me chamaram atenção em
especial: o próprio cacique Eleno. Observador, calado, meio desconfiado e discreto.
Parecia determinar, pacientemente, sem dizer palavra. Muito acolhedor com os
que estavam chegando. Eu diria, decisivo nos propósitos da comunidade! Talvez
por isso seja o cacique.
O pajé
Lenoí Dibiricá, falante, alegre, benzedor, cantador do Toré e
contador de histórias. Recebe cesta básica “mas como é pouco ainda caça”. Se
necessário, come cobra, preá e até cassaco com feijão! Foi logo mostrando a oca
de palha onde mora com a rede estendida. Já tinha “trabalhado” para novela e
conhecia alguns artistas nacionais. Imaginei quem teria ficado “rico” com sua pujança
e presença porque vive muito modestamente!
Mas citou já ter ido na França e ter recebido cidadania francesa. Não
entendi bem o porquê da França ter concedido essa cidadania.
Dança o Toré de
Gratidão, Acolhimento, Casamento, Passarinho, e primeiro apresentou o Toré em
agradecimento ao cacique. Se deixou ser observado pelo grupo. Depois de
Acolhimento por todos... “- Êárrêia!” ... E caímos no Toré, batendo o pé junto
com uns trinta Xucurus Kariris! Inesquecível!
Um grande momento! Que personagem! Nos guiou na breve trilha que fizemos na mata. Aliás, mata bem preservada me pareceu! Um verde lindo, fechada tanto quanto decidi não adentrarmos. Não tínhamos equipamentos adequados...
Um grande momento! Que personagem! Nos guiou na breve trilha que fizemos na mata. Aliás, mata bem preservada me pareceu! Um verde lindo, fechada tanto quanto decidi não adentrarmos. Não tínhamos equipamentos adequados...
E finalmente, a diretora da Escola Estadual Indígena Mata da Cafurna. A Tânia Xucuru Kariri nascida na aldeia, mãe de três filhos e avó de seis netos. Com formação em Pedagogia e pós em Gestão. Muito articulada e cônscia de suas responsabilidades e liderança na comunidade.
Depois de nos apresentar,
quisemos saber como se educa, obedecendo o currículo do MEC, uma criança que dança
o Toré, senta com a mãe para tecer artesanato indígena e acompanhar o plantio
do roçado.
“- É trabalhoso mas não sofrido. Aceitamos o que nos é entregue pelo Ser Superior. Tem dias de alegria e dias para calar e aprender. Não sofrer. Seguimos um calendário mas adequamos aos festejos da comunidade que são específicos da comunidade Xucuru Kariri e não está na grade curricular nos exigida. Temos um professor indígena que transmite aos alunos nossos costumes e cultura. Nada ficará no esquecimento... O MEC em 2002 construiu a escola e nós ampliamos em 2013. Já alfabetizamos mais de quarenta adultos e temos alunos em faculdade. Hoje são, ao todo, trezentos alunos, do maternal ao ensino médio... A comunidade tem total confiança na escola. Eu e equipe temos o maior prazer em atendê-los porque sabemos que são nosso ancestrais quem nos entrega. Eu sou grata a Fonte da qual fazemos parte, por encontrar pessoas que cultivam uma energia magnífica. Gratidão amados, somos um!” ...
Tínhamos acabado de conhecer Tânia Xucuru Kariri, uma alagoana guerreira, de cabeça aberta, receptiva inclusive para a nova gestão da FUNAI. Ela não deixa escapar nada em prol da sua comunidade.
A escola é propositalmente cuidada e local de zelo e acolhimento das famílias. Tipo assim: cuida que é seu! |
Tânia Xucuru Kariri, iniciou a escola ensinando por conta própria em sua casa. |
Durante a trilha, Lenoí nos mostrou a seiva de uma espécie que usam para defumação contra bronquites. Tinha agradável aroma de erva fresca. |
Eu e meu trabalho, oportunizar e vivenciar esse Brasil |
A cidade de Palmeira
dos Índios
ainda nos presentearia com o Museu Xucuru Kariri (que fica na
igreja do Rosário, construída por escravos no séx, XVII). A Casa Museu de
Graciliano Ramos estava interditada pelo IPHAN. Também não tivemos oportunidade
de conhecer a Catedral de Nossa Senhora do Amparo. A professora Cristina que
nos recepcionou e transmitiu seu conhecimento sobre o município na Antiga Estação
do trem. Assistimos ainda, uma colorida (azul e encarnado) “Cavalhada” no dia do
Folclore e de 130 anos de Emancipação Política.
Ao final da tarde,
tivemos o privilégio da apresentação da Orquestra Graciliano Ramos,
regida pelo maestro Wellington Canuto (cel 82 9984.0513).
Maravilhosa apresentação! Super indico! Dançamos ao pôr do sol.
Oh, bendita “Princesinha
do Agreste”, ainda falta tanto para te conhecer!
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Juntamos as "tribos" e Maestro Wellington mandou "brasa" com a orquestra |